terça-feira, 17 de outubro de 2017

O povo consciente e humilde é a fonte da força do chavismo


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A Venezuela, contra os prognósticos dos que poetizam sua queda, está de pé e deu uma lição históricaA Venezuela, contra os prognósticos dos que poetizam sua queda, está de pé e deu uma lição histórica

Algumas análises de direita e de esquerda coincidem em um ponto: o chavismo já não teria forças para a batalha. O movimento histórico seria uma imagem desbotada do que foi, com capacidade para uns últimos socos no ar em uma peleia perdida, a ponto de cair por nocaute furioso ou excesso de golpes. Assim repetem há vários anos, cada vez mais seguros, e com esta certeza chegam a conclusões que escrevem em artigos ou projetam em planos para o definitivo retorno ao poder político. 

Mas a realidade é outra, e nos processos eleitorais, tira a razão e a capacidade política da oposição: o chavismo não só tem forças, mas conquista vitórias eleitorais imensas. Este domingo (15) foi uma prova disso. Um resultado contrário aos prognósticos repetidos por uma oposição triunfalista, pelos meios de comunicação dominantes que haviam esvaziado as expectativas de vitória da esquerda e agora não sabem como explicar o que aconteceu, salvo com a – previsível e insustentável – denúncia de fraude ou não reconhecimento dos votos até que haja uma recontagem. Dirão que houve fraude onde perderam e conhecem os resultados onde venceram?
O chavismo venceu então. A vantagem política está ao seu lado: tem a Assembleia Nacional Constituinte em exercício, com a legitimidade de mais de oito milhões de votos, e um mapa de governadores a seu favor. A direita, por sua vez, ficou fortemente em desvantagem. Por um lado, a ala insurrecional/armada, centralizada na Vontade Popular (VP) e no Primeira Justiça (PJ), somou sua derrota deste domingo à de julho. VP ficou sem nenhum governo, e PJ perdeu Miranda, o estado até então governado pelo seu principal dirigente, Henrique Capriles. Enquanto isso, a Ação Democrática, mais propensa a uma estratégia eleitoral, ficou com quatro governos, sem conseguir se tornar uma alternativa/ameaça ao chavismo. 

Significa que a direita sofreu duas derrotas consecutivas em três meses, suas duas alas ficaram feridas e seus dirigentes demonstraram não ter liderança. Sua dependência nos Estados Unidos e aliados, como a União Europeia, agora é maior. Os sinais externos entraram em cena ainda antes de domingo – já antecipavam o resultado? – com a instalação do Tribunal Supremo de Justiça ilegal na sede da OEA. Uma coisa é certa: o chavismo peleia contra os Estados Unidos. Se fosse um assunto só nacional, o adversário seria pequeno, quase sem possibilidades. 

Isso não significa subestimar as possíveis relações que podem desencadear dentro da Venezuela, articuladas com o campo internacional. O mapa de governadores mostra que a direita ficou com zonas estratégicas: fronteiriças e petroleiras. Em um esquema de desgastes e assaltos, onde os ataques se alternam entre a economia e a violência política, isso pode indicar que nestes territórios e nós econômicos poderiam se aprofundar alguns golpes mais fortes. É certo que voltarão a atacar, o conflito apenas se altera, nunca se detém. 

O chavismo por sua vez está ratificado com a iniciativa política em suas mãos, e a urgência de resolver a guerra/crise econômica. O resultado deste domingo mostrou que o tempo da política pode se impor sobre o tempo da economia e a hora de votar, mas esse desgaste econômico representa uma erosão permanente na vida das pessoas, nas subjetividades, na batalha cultural. E assim como este caminho ratificou a capacidade para resolver o conflito político e leva-lo aos votos e não à morte, também deu sinais de sua dificuldade severa de resolver essas necessidades econômicas. É por um problema de modelo? De corrupção, de ataques internacionais? Uma mescla de tudo isso?

Neste ponto devem concentrar forças, o respaldo interno e as alianças internacionais – este último parece mais avançado, em particular com as alianças Rússia/China/Índia. A maioria da população, assim mostram os votos, quer que seja este governo, este projeto histórico, que resolva os problemas que o país enfrenta. A direita segue sem poder se constituir como alternativa viável, como uma proposta de país crível, uma solução para as dificuldades, produto de sua própria incapacidade política, de ler a sociedade venezuelana, entender as razões do chavismo, os territórios e paixões onde se consolidou e se renovou o movimento histórico.

Se formos medir em prazos eleitorais, não resta muito tempo. As eleições para prefeito deveriam acontecer em breve, e as presidenciais dentro de um ano. Com os resultados das regionais como indicativos, significa que o chavismo tem possibilidades de se manter – a economia será chave – e a direita tem mais incertezas que certezas. Isso poderia significar uma oposição tentando acelerar as ações, seja para voltar a tentar uma saída através da força, ou para agudizar o desgaste sobre a população, na vida cotidiana. Um dos planos da direita é piorar o quadro geral para chegar às próximas eleições com o maior desgaste possível, e reverter este descontentamento em votos. Até o momento isso só funcionou nas eleições legislativas de 2015 – e não é a única explicação para aquele resultado [a oposição ganhou a maioria do Congresso].

Como se sabe, as eleições são um momento dentro do projeto bolivariano, como se planeja construir o socialismo do século 21 – um horizonte nebuloso nesta etapa. Ou seja, a revolução é mais que as imprescindíveis vitórias nas urnas, é essencialmente uma construção de poder popular territorial, econômico, de uma nova instituição comunitária. Aí deve-se focar e articular junto com o campo econômico. O povo venezuelano tem demonstrado ter capacidade para resistir às provocações armadas da direita, enfrentar o peso da economia e dar os primeiros passos para a sociedade que está por vir. Radicalizar a democracia poderia ser uma das tarefas para esta etapa. 

A Venezuela, contra os prognósticos dos que poetizam sua queda – retomando a imagem escrita por José Martí –, está de pé e deu uma lição histórica: é possível enfrentar esta nova forma de guerra e vencer. Isso representa uma vitória no campo subjetivo, uma mensagem, mais uma mostra de que o legado de Hugo Chávez e o protagonismo da revolução se enraizaram nas profundidades do povo humilde, e dessas áreas nasce a força nos momentos mais difíceis.
 


*Marco Teruggi é analista político
Tradução: Mariana Serafini

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